quinta-feira, maio 04, 2006

HASHISH

It all goes up in smoke
and then away
and then
in ashes
to ashes
in the ashtray

15/16 - 1 - 99

quarta-feira, maio 03, 2006

(Ao Hugo Pratt)

Ensina-me a aventura
que já esqueci - não há muito tempo
mas completamente.
Conduz-me pelos países sem geografia,
ensina-me os caminhos sem lugar.
Vai à frente - e desaparece!
Porque estas viagens não têm guia.

1995

terça-feira, maio 02, 2006

LEGADO

Onde estou eu?

Na
minha mente
ou
na minha carne?
Na cabeça, tronco ou membros?
No que penso ou no que sinto?
No que fiz, que não fiz ou que desfiz?
No meu eu ou no meu tu?

Se
permaneço
naquilo que produzo,
eis-me homem
nas palavras que disse pela boca
e
na merda
que saiu
pelo meu cu.

8/5/90 - 8/1/[...]

sexta-feira, abril 28, 2006

Com
a Morte
não
luto,
que é nada.
Alegoria,
apenas,
do acabar,
do nosso, pessoal,
irrecusável,
fim.
Comigo morre
a minha morte.
A morte
que fica
é
para os outros.

8/5/90

quinta-feira, abril 27, 2006

A morte
lá vem sem
remissão.
Sem parar nunca
caminha sobre nós.
Ou
talvez por nós espere
imóvel e segura,
imutável
por nós espere
no fundo
do
caminho.

8/5/90

domingo, abril 23, 2006

Alma errantíssima e calma,
hóspede só não és do corpo,
nem vagabunda podes ser.
Ele te fez e tu o fazes -
acabas tu antes dele apodrecer.

20-21/4/90

sexta-feira, abril 21, 2006

Bom fora,
ó Cristo,
que não nos vieras salvar.
Apenas
a vida
em pecado
tu vieste transformar.

[20/4/90 (?)]

segunda-feira, abril 17, 2006

Não há nenhuma mensagem,
cois'alguma a oferecer.
A cada um sua viagem
p'lo caminho que tiver.

Segui-la até terminar
ou p'lo meio desistir
não é perder nem ganhar
mas apenas adiar o que sempre há de vir.

20-4-1990

terça-feira, abril 11, 2006

A morte não termina a vida,
A vida terminou antes da morte.
Nem redenção, nem culpa, nem velada sorte,
Apenas perpétua agitação interrompida.

Continua a mudança, mantém-se a acção,
Lá em cima no mundo
E no remoto fundo
Onde trabalha a larvar putrefacção.

Nós já não o somos.
Para nós, nada. A ausência é para os outros -
- E a lembrança vaga do que fomos.

segunda-feira, abril 10, 2006

Não conheço corpo algum de cor.
Ninguém assim a mim pertence.
Que possuir é pertencer também
E derrotado o é aquele que vence.

À minha volta, tudo ao meu redor,
Que fique, só, a quietude imensa.
Que venha, que chegue, que part'alguém
E saudade apenas permaneça.

Sem desejo eu, sem meta, sem dor,
Que corra o tempo, que fuja, que passe -
Até ao final, absoluto, desenlace.

12-13/4/90

sexta-feira, abril 07, 2006

Contemplo, em silêncio, a erógena zona,
na quietude plena do corpo adormecido.
Concedo a os meus dedos que passem pela cona,
levemente, apenas, num gesto emudecido.

Da paixão eterna de há momentos,
um resto de esperma esquecido,
inferior, nos seus modos violentos,
tal paixão, ao teu sexo humedecido.

27/11/89
Nua,
branca e negra
sobre o lençol.

Branco e liso o corpo
todo
e a coisa
negra
que rasga
o contínuo
do corpo liso
para
anunciar o
sexo.

O sexo
grita
sobre
o corpo branco
e liso.

Mas
o sexo
não são
os pelos
negros
que recusam
a geometria
do triângulo:
é
o corte vertical
que
não lembra
nenhuma exactidão,

a maneira
como os seus lábios
se viraram e torceram,
mostrando e escondendo
partes interiores.

quinta-feira, abril 06, 2006

Nua,
branca e negra
sobre
a
imaterialidade luminosa
do lençol.

Branco e liso o corpo
todo
e a coisa
negra
que rasga
o contínuo abstracto
do corpo liso
e
anuncia o
sexo.

O sexo
parece gritar
negro
e animal
sobre
o alabastro
ou a luz espessa
do corpo branco
e liso,
mas
o sexo
não são
os pelos
negros
que recusam
a geometria pura
do triângulo
é
o corte vertical
que,
orgânico e elástico,
não lembra
nenhuma exactidão,

a maneira escabrosa
como os seus lábios
tolerantes
se viram,
mostrando e escondendo
partes interiores,
como um beijo
vagamente canibal
ao
sexo penetrante
que se aproxima
e
se afasta
até à
humidade viscosa
do
orgasmo.

10-11/12/89

quarta-feira, abril 05, 2006

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30-1-1987

terça-feira, abril 04, 2006

TANGO (II)

Sangre
os teus lábios já escorrem
e no enlaçar da tua coxa
la muerte
me chama já.

8-5-86 (30 - Julho - 85)

domingo, abril 02, 2006

TANGO

Hoje, a tua saia que roda,
a tua perna que enrola -
- mañana una traición.

Mañana una traición
que teu sorriso amoroso,
que teu lânguido abandono
anunciam já.

30 - Julho - 85
Olhar uma última vez para trás,
por entre o nevoeiro. Não sei bem para onde.
Olhar para trás, rosto frio. Olhar para trás,
com os meus passos a levarem-me para a frente.
Não sei bem para onde.

quinta-feira, março 30, 2006

Sózinho suporto a
minha cruz:
nunca ninguém
sózinho suportou
a sua cruz -
mesmo Cristo, o
mártir salvador,
um ombro teve
que partilhou a sua
dor.

21/3/93

ANJO DA GUARDA

Por cima da minha cama
um anjo reza por mim -
tem a idade que eu tinha
quando rezava assim.

31-7-92

quarta-feira, março 29, 2006

As crianças
brincam e correm ruidosamente
do outro lado da janela
e
eu
vejo-as correr e brincar ruidosamente
e
lembro-me
de quando era
criança
e
brincava e corria ruidosamente
e
também elas
verão outras crianças
brincarem e correrem ruidosamente
e lembrar-se-ão de quando
eram crianças e corriam e brincavam
ruidosamente
e também essas crianças, um dia, se lembrarão
e
nada
disto interessa nada,
a não ser às crianças
que já brincaram e correram ruidosamente
e
agora
olham pela janela
e se lembram
de quando eram crianças
e brincavam e corriam ruidosamente.

2-2-91

segunda-feira, março 27, 2006

PINTURA

O horizonte
distante, mas fixo,
encerra
o espaço em si
e
atrai
todas as linhas
de fuga.

O mar,
lá longe, no horizonte,
cristaliza-se
num ângulo exacto
e
em transparências
puras.

Nós
vemos o lado de cá,
das ondas e
das nuvens
e das gaivotas e
dos navios,
quietos
e
sonhadores,
dentro
do
quadro.

13-3-90

sexta-feira, março 24, 2006

A noite
completamente negra
e
uns faróis
completamente
amarelos
e
um casal
que fuma
e
que não
sabemos
se se ama ou
se se odeia,
do qual não
sabemos
nada.
E
o carro
que passa
a altíssima
velocidade.

13-3-90

ESTRADA DO GUINCHO

Rasgar
o indefinido negro
da noite
com os faróis amarelos
do automóvel veloz.
A coisa
escura
por momentos
infinitesimais
quase objecto:
logo,
outra vez,
amálgama
sem significado.
Do ruído ao ruído.
Incomensurável, sem significado.
Da vertigem à vertigem.

15-1-87

terça-feira, março 21, 2006

No negro absoluto
da noite da auto-estrada.
Na vertigem absoluta
da velocidade devoradora da auto-estrada.
Naquilo que se parece com vazio
e vem da velocidade, do ruído,
da marginalidade da auto-estrada.
No espaço uniformemente abstracto
da auto-estrada,
abrem-se, assépticos e indiferentes, os recintos iluminados das bombas de gasolina,
como se fossem espaços destinados a tragédias.

30 - 8 - 87

segunda-feira, março 20, 2006

O que está em baixo
é igual a
o que está em cima.

É por isso
que o céu
está barrento
e não tem estrelas.

O céu não tem estrelas
e está barrento
como a terra
e
o vento
mistura tudo
num turbilhão
turvo
no fim da tarde
sem sol.

2/3 - 9 - 87

domingo, março 19, 2006

A
noite
é uma alegoria.
Uma alegoria
que Deus fez
dos nossos medos.
A noite
é a alegoria
dos nossos medos,
é o visível
dos nossos desejos,
é a presença física
da ausência,
dos nossos vazios,
do que não temos,
do que nos falta.

22 - 6 - 87

sábado, março 18, 2006

Três luzes
amarelas quase vermelhas,
como um incêndio,

longe num barco,
a acinzentarem
o negro
húmido da noite.

1 - 2 - 87

quinta-feira, março 16, 2006

Encostar-me à parede lisa
de um prédio
e deixar
que ela me sugue o olhar
até à esquina.

(27-11-86)

quarta-feira, março 15, 2006

Ser eternamente
pose.

(27-11-86)

terça-feira, março 14, 2006

Essa sombra
na minha face
que nem um gesto dramático
da minha mão
consegue apagar.

2[...] NOV. 1986

segunda-feira, março 13, 2006

Reflectido
na grande janela
de vidro da sala de estar,
sou como uma fotografia,
eterno e misterioso.

Eterno e misterioso
como uma fotografia,
exacto,
no local preciso,
sem paixões,
nem
dor,
nem desejo.

15 - 10 - 86

sexta-feira, março 10, 2006

Sala vazia. Silêncio. Penumbra.
Um abat-jour ligeiramente torto.

quinta-feira, março 09, 2006

Este meu Fado...
Não sei se me foi dado,
se fui eu que o fiz.
Ó Fado,
não sei se sou teu escravo,
não sei se em ti lavo
as culpas que não quis.

Agosto 84

quarta-feira, março 08, 2006

HESPANHA

P'ra 'onde vais, Tejo,
quando chegas ao mar?
P'ra 'onde te leva ele?
Que caminho queres tu?
P'ra 'onde vão
as tuas águas doces?
P'ra 'onde levas tu
a nossa alma cansada?

23 - SET. - 85

terça-feira, março 07, 2006

Vem, vem comigo.
Vamos sonhar que a Pátria existe,
vamos fingir
que ela é eterna.

E vamos chamar o Fernando,
porque se o Fernando vier
traz o Vieira do Império
e o Bandarra.
E o Bandarra
olha para o Longe
com olhos
muito grandes,
muito loucos,
fixos em coisa nenhuma,
a fazer de conta
que vê o Futuro.

E depois levantamo-nos
e cantamos hinos
e morremos
como heróis
pela alma eterna da Pátria.

E depois vamos todos para casa...
Vem, vem comigo...

segunda-feira, março 06, 2006

P'ra escrever
não preciso de ver as letras
que escrevo.
As palavras já estavam
na minha cabeça.

Mas só no papel
são
outra coisa
mais
do que ideia só.
E há o gosto
de as dizer -
eu gosto
de as sentir nos lábios.

5 - 5 - 85

sábado, março 04, 2006

Poetas só mortos - ou em vias.
Precisam dos Louros e, nestes dias
em que Apolo já não há,
só a Morte os dá.

sexta-feira, março 03, 2006

TORRE DE MARFIM

I

Passar a vida inteira aqui.
Olhar o mar,
a gente a passar
e
chorar.

II

Mover-me não tem sentido nenhum.
Não há sítio nenhum para onde ir,
nenhuma meta,
nenhum caminho.
Ficar a vida inteira aqui,
a ver a gente a passar -
- e o mar.

III

Deus
não fez
conta
nenhuma.

Fazer as contas
que
Deus
nunca fez
e
encher tudo com elas,
quadricular as praças com linhas exactas,
marcar o ponto da Bauhütte
e
ficar
para sempre

só.

1 - 5 - 1986